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quarta-feira, 25 de maio de 2011

O que provoca a falta de letramento.


Fico imaginando aqui se, quem passou pela escola nos tempos em que ainda não havia computador, não tivesse buscado essa tecnologia quando do seu surgimento. A geração anterior à internet, por exemplo, estaria fadada ao desemprego, à margem do mundo, à exclusão possivelmente total. Imaginemos se médicos não participassem de convenções e de pesquisas para se aprimorarem. Fatalmente não substituiriam o bisturi pelo laser em procedimentos nos quais isso é possível. Imaginemos ainda se nós, professores de língua portuguesa, nem nos importássemos em entender o novo e bendito acordo ortográfico e continuássemos a escrever ideia com acento agudo e, “pior”, insistíssemos em “ensinar” isso aos alunos, fatalmente seríamos estigmatizados até como analfabetos funcionais. Se ninguém se importasse com a aquisição de novos conhecimentos, estaríamos ainda na Idade da Pedra e, quiçá, retrocedido à condição de ser unicelular.
É o que tem ocorrido com relação ao tratamento dispensado pela mídia e por parte da elite intelectual aos avanços dos estudos linguísticos, isto é, quando se dispensa algum tratamento. É no mínimo estranha a omissão e também o descaso com que se tratam as descobertas de pesquisas realizadas de forma tão contundente. Refiro-me à polêmica em torno do livro “Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministério da Educação (MEC) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Bastou uma tendenciosa manchete do Jornal Nacional, da TV Globo, tentando depreciar a proposta do livro didático, para uma legião de sabichões se armar em defesa da “língua correta”. A matéria televisiva versava sobre pequeno trecho da obra, em que os autores demonstram a possibilidade de não se marcar o plural em todas as palavras de uma frase para que a ideia de número se estabeleça no discurso, como em os livro. Em nenhuma parte do livro se defendeu o uso dessa forma em substituição à “correta” os livros. Nitidamente só houve a demonstração da existência de variedades linguísticas diferentes e que são usadas até mais que a variedade “padrão”.
Os membros da imponente Corte gramática, diante da “ameaça” a seus postos de senhores da “Língua”, nem se deram ao trabalho de analisar o livro ou de sequer duvidar do jornalismo ideológico da maioria dos telejornais brasileiros. É inequívoca a intenção da reportagem em incitar a polêmica.
É engraçado que esses mesmos ‘nobres’, no âmago de seu pedantismo acadêmico, saem aos quatros ventos em defesa da valorização da leitura, da interpretação de textos e, ao que tudo indica, não leram atentamente a notícia, não viram o que estava nas entrelinhas. Tanto com relação à polêmica da proposta do livro quanto à própria audição da notícia, acredito que faltou letramento. Um letramento que só é possível com a imersão profunda nos estudos científicos. Ora, não posso falar com propriedade de plantas se não estudei Botânica, nem deixar de observar a intenção oculta de quem veicula um texto, principalmente nos canais “jornalísticos”!
A explicação para tamanha revolta dos defensores da “Língua” ou da cegueira linguística talvez se encontre na falta de competência da escola, da universidade, em propiciar esse letramento. É constrangedor, mas, ao que parece, até pessoas com alto nível de escolaridade apresentam dificuldades em interpretar textos, decorrentes da omissão de suas instituições de ensino em promover letramentos. Pode ser ainda que tudo se explique no medo da “Corte” em sair dos grandes palácios, o que é bem pior, já que se fingiria de ignorante visando à manutenção de seus privilégios.
O que se espera é que haja uma reflexão. Uma reflexão madura, consciente a respeito da existência das variedades linguísticas, incluindo-se aí à considerada padrão, a de prestígio. Todas as formas são válidas. Precisamos da Gramática Normativa em situações específicas, assim como podemos dispensá-la na maioria das outras situações. Só não vê quem não quer.

POR JOCELMO AIRES

2 comentários:

  1. Olá, Jocelmo!
    Parabéns pela reflexão!Você expressou tudo o que eu gostaria de ter dito acerca dessa lamentável e conveniente "cegueira linguística".
    Recentemente, realizei uma palestra para professores da Rede Pública do DF, acerca da seleção de livros didáticos de Português/Anos Iniciais, onde promovi (ou pelo menos tentei), uma reflexão acerca dessa polêmica, inclusive passei alguns vídeos com contraposições de argumentos. Infelizmente, apesar de grandes avanços relacionados aos estudos linguísticos, ainda são maioria as pessoas que "não entendem nada de Botânica, mas insistem em falar de plantas". O duro, meu caro, é perceber que a maioria desses pseudobotânicos estão inseridos em ambientes educacionais.
    Adriana Santos (amante da Sociolinguística)

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    1. Oi, Adriana. Nós, amantes da Sociolinguística, (talvez amantes porque a entendemos efetivamente), temos sofrido até hoje com tantos botânicos. Desculpe-me o atraso em respondê-la. Qualquer nova reflexão, contato: jocelmoaires.pro@gmail.com

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